UOL - O melhor conteúdo
Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Thiago Stivaletti
Descrição de chapéu Televisão

'Adolescência' viraliza mais rápido que 'Bebê Rena' (e sabemos bem por quê)

Se quem tem mais de 40 não sai das redes sociais e do celular, imagine os adolescentes

A imagem mostra duas pessoas sentadas em uma mesa em um ambiente de interrogatório. À esquerda, um homem com cabelo curto e uma camiseta vermelha parece estar passando a mão pela cabeça, demonstrando preocupação ou estresse. À direita, um jovem com cabelo escuro e uma camiseta cinza observa o homem, com uma expressão neutra. O fundo é composto por paredes cinzas e a mesa é de madeira clara.
Stephen Graham e Owen Cooper em cena da série 'Adolescência' - Courtesy of Netflix
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Está impossível fugir do assunto. Quem não viu sabe que precisa ver "Adolescência", a minissérie britânica da Netflix que há 11 dias é o programa mais visto da plataforma em mais de 70 países. A história do menino de 13 anos acusado de esfaquear e matar uma menina no interior do Reino Unido (fictícia, mas baseada em casos reais) relembra o quanto a adolescência é um mundo cercado de inseguranças e incertezas por todos os lados.

Sabemos: trata-se daquela fase da vida em que queremos construir um mundo à parte dos nossos pais, uma identidade própria, de preferência oposta à deles, e sem ter que prestar conta dos nossos desejos mais profundos, que estamos só começando a descobrir. Só que, de 20 anos pra cá, essa fase já turbulenta ganhou uma inimiga gigante: a internet.

Quando era adolescente, só sofri bullying uma vez –e bastou para nunca mais esquecer. Um colega que sentava atrás de mim passou a me bater dezenas de vezes por dia nas costas com uma régua de plástico. Aguentei calado por algumas semanas, até que um dia, além das reguadas, ele me derrubou na saída do colégio. Não sei o que me deu: levantei furioso, chorando, berrando e olhando fundo nos olhos dele. Funcionou; ao ver o tamanho da minha raiva, ele decidiu parar.

Até hoje me pergunto por que não levei o caso à direção da escola. Provavelmente por medo de ser descoberto e chamado de covarde –e ampliar um conflito que era só com um colega para a classe inteira. Mas hoje um adolescente não tem só o medo de ser zoado na sala de aula ou no intervalo. Um bullying nas redes sociais logo sai de controle. As pessoas que curtiram um post de ataque nas redes estão rindo em casa? E quantas pessoas viram, também riram de você e nem curtiram o post, pra não deixar impressões digitais? Puxadíssimo.

É difícil, mas inevitável pensar que, hoje em dia, a construção da identidade de um adolescente passa obrigatoriamente pelas redes sociais. Há anos psiquiatras vêm alertando para o efeito tóxico de TikTok, Instagram e afins nessa faixa etária. Imagine um jovem que se considera feio, acima do peso, sem dinheiro para viajar nas férias, vendo fotos do casal mais gato e popular da escola numa viagem dos sonhos. É o "FOMO" ("fear of missing out"), que mesmo nós adultos sentimos tantas vezes, só que numa fase bem mais delicada da vida.

Voltando à minissérie: não me parece coincidência que "Adolescência" esteja sendo comparada a "Bebê Rena", pelo sucesso e viralização rápida que ambas tiveram na Netflix. A segunda também abordava o efeito nocivo das redes ao mostrar como um assédio moral e sexual se expandia mil vezes e se perpetuava no mundo virtual, por email e mensagens no Facebook. Mas a série lançada agora foi mais longe: foram 93 milhões de horas vistas em oito dias, enquanto "Bebê Rena" levou três semanas para atingir 87 milhões.

"Adolescência" é uma série única porque se cerca das melhores influências. Tem o ambiente operário do Reino Unido dos filmes de Ken Loach (de "Eu, Daniel Blake") e a pesquisa profunda de como falam, agem e pensam os adolescentes de hoje que consagrou no passado o americano Larry Clark (de "Kids" e "Bully - Juventude Violenta").

Mas a força e a exuberância dos planos-sequência que estruturam cada episódio estão mais próximos de "Elefante", filme de Gus Van Sant que venceu a Palma de Ouro em Cannes em 2003. "Elefante" também era uma ficção baseada em fatos que ainda vemos de vez em quando nas notícias: os massacres em escolas americanas, perpetrados por alunos armados, sem motivo aparente. Os motivos mostrados em "Adolescência" ajudam a entender um pouco mais essas tragédias.

Ao contrário do que o título da minissérie sugere, a tragédia retratada não é só dos adolescentes. É também a dos pais, adultos que deram o seu melhor na criação dos filhos, mas são engolidos por um mundo que os ultrapassa. Quando precisam entendê-lo, já é tarde demais, e o mundo desaba na cabeça deles. Que não seja tarde para a nossa reflexão.

"Adolescência"
Minissérie em quatro episódios na Netflix

"Elefante", de Gus Van Sant (2003)
Filme disponível na Max

"Bully - Juventude Violenta", de Larry Clark (2001)
Filme disponível no Mubi

Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Foi repórter na Folha de S.Paulo e colunista do UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow)

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem